sábado, 30 de novembro de 2013

Monstro dos ares

Tou no gate D46 do aeroporto de Changi, em Singapura. Já devia estar a voar há algum tempo. O voo está atrasado. Pelo vidro vejo cair uma chuva ininterrupta e trovões de meter respeito. O único paliativo que tenho para esta espera arreliadora é o facto de ter à minha frente o maior avião comercial do mundo: o Airbus A380-800. Mas o melhor mesmo é saber que vou andar nele não tarda nada.

De volta ao burgo natal

Malas arrumadas. É tempo de voltar para a minha tribo. O que posso dizer de Timor? Uma jovem nação em vias de desenvolvimento com muitas ONG's no terreno, um Estado com uma estrutura pesada que apresenta uma falta de visão estratégica. O povo vive com dificuldades e as elites absorvem a grande maioria da riqueza nacional. Os timorenses são um povo afável, envergonhado e pouco expressivo no dia a dia. Existe uma barreira social: no topo os quadros dirigentes, que criam uma rede de relações sociais, profissionais e económicas entre semelhantes, e, na base, a restante população. Os portugueses que aqui trabalham estão integrados num círculo intermédio. Servem a estrutura administrativa e vivem sem grande contacto com os locais. Aliás, vi muito pouca interação entre os timorenses e os portugueses.

Gostei muito desta experiência no Hemisfério Sul. Ouvir falar português a tantos quilómetros de distância e ver o sorriso angelical e inocente das crianças são duas das imagens que levo na mala. Mas não vou esquecer tão cedo a forma como fui recebido. Fiz parte da grande família portuguesa que habita Díli e isso conseguiu minimizar a ausência de casa. Enquanto aqui estive, fiz desta casa a minha casa. Por isso agradeço ao Zé, ao Miguel, ao Filipe, ao Rui, à Ana, à Susana, ao Celso, entre outros, os momentos que aqui passei.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O Xanana tem um ar bonacheirão. Um jeito desajeitado e trato afável. Assim parece, daqui, à distância.

Beberete

Terminou há pouco a apresentação oficial da Associação Amizade Portugal/Timor-Leste no Hotel Timor. Agora é o momento do beberete, essa nobre arte portuguesa de beber e comer aperitivos. A maior parte dos convivas são portugueses. Isto mais parece um casamento: eles de blazer, elas todas aperaltadas. Afinal de contas, não é todos os dias que eventos destes acontecem em Díli. Por cá estão o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação português, Luís Campos Ferreira, e a presidente do Instituto Camões, Ana Paula Laborinho. Provavelmente, irei partilhar com suas eminências o voo de amanhã até Singapura. 

Aumento de quanto?

E agora, uma notícia para desanuviar o ambiente: a polícia de investigação criminal de São Tomé e Príncipe entregou em greve. Reivindicação? O aumento em 300% dos salários! Quando a base de partida é baixa...

Santa Cruz

No final da visita à Escola Portuguesa passei pelo cemitério de Santa Cruz, local emblemático da reivindicação timorense. Olhar para o portão do cemitério é reviver as imagens espalhadas pelo Mundo do sofrimento dos jovens timorenses que, naquela tarde de 12 de novembro de 1991, se atropelaram para sobreviver aos tiros dos polícias indonésios. Não quis tirar fotografias. Foi uma forma de respeitar a memória dos que pereceram naquela tarde.

Uma escola portuguesa

Dia de visita à Escola Portuguesa Ruy Cinatti. A diretora, Conceição Brito, geógrafa, fez-nos a visita guiada. Fiquei impressionado com as instalações, bem melhores de que muitas escolas portuguesas. A oferta formativa inclui todos os ciclos de ensino, do pré-escolar (3-6 anos) ao secundário e ainda ensino de português para adultos. Não representa a realidade educativa timorense, não é uma escola timorense, e o seu funcionamento rege-se pelas diretrizes portuguesas e pelo calendário escolar português. É por isso que consegui ver alunos a trabalhar numa escola, pois, nas escolas timorenses, o ano escolar já terminou e o próximo começa na primeira semana de janeiro.

A Escola Portuguesa tem cerca de 800 alunos, a maior parte deles timorenses (as famílias pagam 5 dólares por mês para ter os filhos na escola) mas muitos mais ficam de fora todos os anos. Neste momento, existe uma lista de espera para colocação com 800 famílias e só a construção de mais uma escola conseguiria responder positivamente a todos os pedidos. As salas de aula são amplas, há biblioteca (bem apetrechada), sala de estudo e sala de lazer. Espaços para a prática desportiva não faltam e foi montado há pouco tempo um parque infantil para os mais novos. Pormenor de requinte lusitano: as fardas escolares têm nas mangas o verde e vermelho da bandeira nacional e os bibes dos mais pequenos têm os botões, intercalados, com as mesmas cores.

Queijo e Record

A distância geográfica é, por estas latitudes, acompanhada por uma saudade de sabores portugueses. Por exemplo, o queijo é um dos produtos mais pedidos aos que viajam de Portugal, bem como o presunto, revistas cor-de-rosa ou jornais desportivos. O que para nós tem uma importância relativa ou nula, para os portugueses que vivem em Timor ganha uma dimensão especial. É um Portugal aos pedaços ou em letras que anseiam ter à mesa. 

Timor, com estória

Há uns anos, quando colocaram sinais de trânsito nas ruas de Díli, as autoridades mandaram a polícia tirar a matrícula de todos os condutores que não os respeitassem. Resultado? Houve polícias que desaparafusaram matrículas de prevaricadores e levaram as placas para a esquadra! Chama-se a isto interpretação literal.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Dia da Independência

Em dia feriado (faz hoje 38 anos que Timor-Leste se tornou independente de Portugal), visitei o arquivo/museu da resistência timorense (não paguei nada por ser feriado mas, de qualquer forma, a entrada para estudantes custa 50 cêntimos e para o público em geral custa 1 dólar!). Está instalado num edifício moderno, inaugurado há um ano. A parte museológica é curta mas está bem organizada. Para quem toma contacto pela primeira vez com o passado recente de Timor, do seu passado colonial (contado em apenas três ou quatro painéis...) e da luta pela independência da invasão indonésia, consegue ficar com uma panorâmica geral daquilo por que passou a nação maubere.

Revi as imagens do massacre do cemitério de Santa Cruz, de 12 de novembro de 1991. Nunca esqueci a violência e a impotência daquele grupo de jovens que foram brutalmente agredidos e mortos pelos indonésios, aquando de uma romaria ao cemitério para rezar pela memória de um jovem que morrera. A marcha pacífica até ao cemitério ganhou traços de manifestação quando se empunharam cartazes com mensagens de paz, de independência e de louvor aos principais chefes da resistência. As forças policiais não perdoaram a reivindicação (espontânea?) e carregaram sobre a multidão, que teve de se refugiar no famoso cemitério de Santa Cruz (vou tentar vê-lo amanhã).


Timor, com estória

O vinho mais bebido pelos timorenses é nada mais nada menos do que Camilo Alves. Nos supermercados, o pacote de um litro de Camilo Alves chega a custar 6 dólares. Os timorenses não fazem festas de casamento sem o ‘amigo Camilo’.

Encontro

A tarde de ontem foi passada em reunião com o assessor do ministério da educação para o currículo. Muito se conversou sobre o panorama educativo timorense. Para além da luta que neste momento se trava para impor o ensino da língua portuguesa logo nos primeiros anos, os materiais postos à disposição de professores e alunos não são suficientes ou os que existem apresentam falhas nos conteúdos.

Universidades, muitas

Aqui, o padre e o professor gozam de um estatuto social superior. Sobre padres nada posso adiantar mas sobre a figura do professor diga-se que há alguns aspetos curiosos que merecem ser referidos: nas escolas primárias há professores que pedem aos alunos para escreverem no quadro uma composição e, no entretanto, aproveitam para fumar cigarros (aqui fuma-se em todo o lado e a todo o momento); e há professores que lecionam durante, durante o período da manhã, uma hora e depois ausentam-se da escola durante duas. O que fazem os alunos? Ficam a brincar na escola ou vão para casa, que geralmente fica perto da escola. Moral da história: há muito por fazer em Timor-Leste no que toca à educação. Não só falta formar decentemente professores como também é preciso responsabilizá-los.

Fiquei a saber hoje que existem mais de 15 universidades privadas em Timor. Fiquei estupefacto! A maior delas não tem os seus cursos acreditados pela agência nacional de acreditação. Existe até a Universidade do Café de Timor! Não haja dúvida: Timor não tem, mas precisa urgentemente, de ter uma estratégia nacional educativa. Timor não pode ter problemas estruturais no ensino dos primeiros anos e professores para o Básico com falhas graves de conhecimentos e depois pulverizar um país de cerca de um milhão de habitantes (Díli, a capital, tem apenas 150 mil) com cursos superiores. Como se deve imaginar, o problema não será tanto o de fazer planos a cinco ou a dez anos para a escolarização da população e construção de novos equipamentos escolares (no site do Infordepe é possível encontrar vários planos ‘quinquenais’ para a educação em pdf), mas sim o de, a nível político, haver uma estratégia sustentada e sustentável em relação ao futuro.